Quem diria que se lembraria daquele sonho, sim aquele sonho do qual se recorda vividamente. Enquanto andava por um lugar que era uma amalgama de sua cidade e uma reconstrução de uma cidade que pouco conhecia, mas que já visitara, Renato encontra sua amiga Fernanda que sem qualquer tipo de introdução ou motivo começa a segui-lo, cortando totalmente o fluxo natural dos acontecimentos, onde uma ação não necessariamente se conecta a próxima, como é normal em sonhos. Ao caminharem Renato. procura a casa de Caetano, entretanto a memória confusa do real com o fabular deixa o que seria fácil de conhecer, o caminho para casa de Caetano, um tanto quanto complexo, como uma miríade de caminhos tortuosos.

O lago de sua cidade se mistura com uma avenida desconhecida, um pequeno córrego se transforma em uma barragem de tratamento de água, um café vira uma indústria suja e grotesca, enquanto seu caminho mais conhecido toma formas pitorescas.

Ao passo em que a confusão toma conta de Renato, Fernanda diz palavras que pouco fazem sentido ou que sejam de fato interessantes. Por um pequeno milagre chegam a casa de Caetano, fato este que pouco importa, afinal, Caetano não está lá.

A casa de Caetano não é nada condizente com a realidade, o que seria uma casa de subúrbio tipicamente brasileira tornou-se em um pequeno bangalô, algo que causa profunda estranheza a Renato, mas que no fim das contas pouco importa, a casa ser de alvenaria ou de madeira, ser um casebre, uma casa de vó ou qualquer variação de construção pouco importa, afinal, nada ali faz sentido. O que importa é que neste momento as ruminações de Fernanda cessam e pela primeira vez pode-se ouvir sua voz claramente.

— Que tal cortarmos caminho?

Cortar caminho para onde? Renato já havia chegado a seu destino, não é mesmo? Contudo este caminho não levou a lugar algum. Ponderando por alguns longos segundos Renato decide aceitar a proposta. De pronto Fernanda abre um sorriso que beirava o malicioso, suas mãos estavam em cima de uma caixa de correio tipicamente estadunidense, algo que não surpreendeu ou sequer chamou a atenção de Renato. Ao afundar sua mão na caixa de correio um sumidouro surge e se abre, Fernanda então desce por uma pequena escada de mão, assim que a visão da cabeça de Fernanda é obstruída Renato decide que é a hora de descer. Assim que seus pés tocam a escada Renato está em outro lugar.

Não se trata de uma galeria ou algo do tipo, apenas um corredor. Fernanda não está ali, Renato está só. Há apenas um único caminho neste corredor, as paredes são brancas, apesar de não haver qualquer possibilidade de entrar luz natural ali, afinal se encontra no subsolo, a luz é tão forte que a as paredes praticamente emitem sua própria luz, a tinta descascada e contorcida, num misto de desgaste natural e incêndio descontrolado. Ao andar por este corredor Renato nota vários portais, todos estes portais levavam a pequenos cômodos sem qualquer abertura adicional. A maioria destes cubículos nada tinham, porém, aqueles que estavam habitados continham algo que se assemelhava a pessoas, pessoas muito magras, os ossos aparentes pela pele e aspecto doente, porém estes seres pouco se interessavam por Renato ou por qualquer coisa que seja.

O ar opressor fazia com que Renato andasse cada vez mais depressa, a fim de sair daquele lugar, mas nada além de um passo apressado, em alguns segundos conseguiu alcançar uma escada como aquela em que havia descido, a repentina aparição do fim do corredor veio de sobressalto, porém a lógica pouco importava, precisava sair dali.

Ao sair do sumidouro e adentrar a superfície Renato observa Fernanda que está de pé o esperando, sem qualquer tipo de expressão anormal.

Ao olhar nos olhos de Fernanda, Renato sente algo como nunca havia sentido antes, um medo terrível que sumiu com seu oxigênio, que fez seus ossos arderem e aguçou todos seus sentidos, ao observar aqueles olhos que conhecia bem, mas que neste lugar não demonstrava a tristeza habitual, pela primeira vez Renato sentiu vontade de *.


E não é que um pequeno sonho pode transformar tudo?

Não há qualquer relação com este sonho e a vontade de saber de onde surgiu este lugar, por qual motivo ninguém fala disso? Por que ninguém se interessa por um prédio que não tem qualquer utilidade a não ser existir? Ninguém entra ou sai, ninguém sabe para que serve ou sequer se importa.

Este sonho foi apenas o estopim, o que motivou Renato a procurar respostas, a decidir qual caminho tomar e no fim, * foi o que restou.